segunda-feira, 9 de agosto de 2010

apenas um livro com letras douradas



*
A mão aberta e espalmada acariciava mais uma vez aquele dorso,
aquele tronco,
aquela pele anunciada em letras douradas.
Esperta e com capas abertas como um
pára-quedas para amortecer a própria.
Mas a mão do leitor de nada quis saber e enfiou-a,
arquivando-a como que para sempre na estante.
-Que petulância, que despautério!
– pensava a mulher -livro.
Depois que o tal leitor havia gozado,
graças ao seu corpo e conteúdo,
numa relação de alguns dias,
já que o leitor era um tanto lento,
e considerando que,
seu conteúdo era um tanto farto,
resultando assim em uma semana de romance interno e externo.
Estando assim satisfeito, lhe dava as costas,
como algo vencido e superado em sua medíocre vida de leitor faminto.
Mais um, mais uma, e partia para a outra prateleira
usufruir de mais um corpo, para se deleitar de outra ostra literária.
- Não se abram, não se deixem levar, não se entreguem!
– exclama a mulher livro
ao ver-se sendo descaradamente,
trocada por outra, ou por outro.
– Quanta promiscuidade!
Mesmo em meio à multidão da estante,
sentia-se só e pensava lá com suas páginas.
Um dia ele quis me levar para sua casa, sem poder impedir, fui.
Sei que, o que o atraiu foi minha capa,
é a primeira coisa que atrai alguém,
em segundo lugar foi o título
- Incrível como os ditos seres humanos ainda se prendem tanto,
e agem tanto,
movidos por títulos!
Chegando em seu lar, ele me desnudava,
me acariciava página a página com suas mãos de pianista,
tocando-me como um instrumento raro.
Conheceu-me totalmente por dentro, primeiro desfrutando de minha
contra-capa,
degustando minha introdução,
deliciando-se com minhas linhas e entrelinhas,
devorando-me em capítulos,
fartando-se com brilho nos olhos a cada revelação,
depois chegou comigo ao prazer final,
salivando com tal ambrosia literária,
com olhar malicioso e saciado.
Não me abriria mais com suas mãos,
não colocaria mais seu marcador de couro dentro de mim,
dividindo-me em partes.
Então segurou-me fechada,
assim descansei um bocado de tempo,
quase adormecendo em repouso sobre seu
sexo intumescido.
Doce ilusão momentânea,
não me abriu mais,
não me tocou,
apenas arquivou-me como tantas outras,
como tantos outros.
Sendo assim, seria tudo ou nada,
atirei-me quando ele passava,
com reflexo ligeiro,
este me amparou com palma macia,
não resistiu,
abriu-me,
vociferou uma de minhas partes mais prazerosas,
não resistindo,
manteve-me aberta,
a devorar-me novamente.
Assim, levou-me novamente para sua cama, sorrindo.
Era só isso que eu queria, mais uma vez.
Havia valido a pena esperar,
já havia se passado anos ,
até atirar-me a sua frente após decidir o arriscado suicídio com
final feliz.
– A volta da mulher- livro.
Não sabia quanto duraria,
mas quem sabe?
Poderia tornar-se seu livro de cabeceira definitivo,
e deitado sobre o criado-mudo
e sob o despertador calado,
eterno triângulo amoroso adormecido ao lado do amado ...


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